Onda de assassinatos de jornalistas no México, autoridades impotentes

Os recentes assassinatos de Jorge Celestino Ruíz Vázquez e Nevith Condés Jaramillo aumentam para 10 o número de jornalistas mortos no México em 2019, nação que confirma seu status de país mais perigoso do mundo para a imprensa. Associada a uma impunidade quase total, essa situação de violência extrema ainda não gerou nenhuma reação forte por parte do governo de Andrés Manuel Lopez Obrador, a quem a RSF dirige estas recomendações.

Rogelio Barragán PérezNorma Sarabia GarduzaFrancisco Romero DíazTelésforo Santiago EnríquezJesús Eugenio Ramos RodríguezRafael Murúa Manríquez, Omar Iván Camacho Mascareño, Santiago Barroso, Jorge Celestino Ruíz Vázquez e Nevith Condés Jaramillo... a lista dos jornalistas mexicanos assassinados em conexão com seu trabalho de informação não pára de aumentar. No dia 24 de agosto de 2019, dia da morte de Nevith Condés Jaramillo, o México já registrava pelo menos* 10 casos de jornalistas assassinados, ou seja, o equivalente ao total de casos em 2018. Mais de 30% dos assassinatos de jornalistas no mundo em 2019 foram cometidos no México, que se tornou o país mais mortal para a imprensa, muito adiante do Afeganistão e da Síria, cada um com quatro assassinatos registrados no mesmo período. 

 

Os dois últimos assassinatos são particularmente reveladores da incapacidade e da ineficácia das autoridades federais e locais em conter essa espiral infernal de violência, sobretudo quando  políticos locais parecem estar diretamente envolvidos.

 

No sábado 24 de agosto, na cidade de Tejupilco (Estado do México), Nevith Condés Jaramillo foi mortalmente apunhalado, seu corpo tendo sido encontrado abandonado nas montanhas da região. Nevith era diretor do jornal online El Observatorio del Sur, no qual denunciava, com frequência, a corrupção dos políticos locais. Colegas e pessoas próximas ao jornalista contatados pela RSF afirmam que ele havia sido ameaçado de morte por duas vezes, em novembro de 2018 e em junho de 2019, em represália a suas publicações. O mecanismo federal de proteção aos jornalistas foi informado de tais ameaças, mas não as considerou suficientemente graves para disponibilizar um aparato de segurança. Os colegas de Nevith também relataram que “existia uma forte tensão” entre o jornalista e o prefeito de Tejupilco, Anthony Domínguez Vargas.

 

Jorge Celestino Ruíz Vázquez, assassinado no dia 2 de agosto de 2019 no município de Actopan (Estado de Veracruz), era correspondente do jornal El Gráfico de Xalapa. Por ter denunciado em seus artigos a corrupção - sobretudo desvio de fundos públicos - do prefeito de Actopan, José Paulino Domínguez Sánchez, o jornalista foi atacado e ameaçado várias vezes em 2018. Depois de prestar queixa junto à justiça local, o jornalista obteve medidas de proteção temporária, suspensas sem maiores explicações por ordem da polícia de Veracruz. Alguns dias antes do assassinato, um mensageiro do prefeito foi à redação do El Gráfico de Xalapa para oferecer dinheiro em troca da não publicação de informações comprometedoras sobre as atividades do político, proposta, evidentemente, recusada pelo jornal.

 

Os investigadores devem demonstrar a maior imparcialidade, privilegiar a pista profissional e identificar, o mais rapidamente possível, os responsáveis pelos assassinatos de Jorge Celestino Ruíz Vázquez e de Nevith Condés Jaramillo, casos nos quais suspeita-se fortemente do envolvimento de políticos locais”, declarou Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF para a América Latina. “Diante dessa onda brutal de ataques e assassinatos, o governo de Andrés Manuel Lopez Obrador deve tomar consciência da gravidade da situação e realizar reformas corajosas com as quais se comprometeu”.

 

A impunidade dos crimes cometidos contra jornalistas no México ultrapassa 90%, o que explica o círculo vicioso no qual se encontra a imprensa mexicana. Diante dessa constatação, a RSF, em março de 2019, acionou o Tribunal Penal Internacional (CPI) com relação à impunidade dos assassinatos e desaparecimentos de jornalistas entre 2006 e 2018, durante os mandatos dos dois predecessores de Andrés Manuel Obrador, Felipe Calderon e Enrique Peña Nieto.

 

O inigualável nível de assassinatos de jornalistas em 2019, por sua vez, levou a RSF a partilhar algumas recomendações com as autoridades mexicanas e, sobretudo, com o gabinete da presidência de Andrés Manuel Obrador.

 

A RSF recomenda as seguintes medidas:

 

1)     Reforçar a segurança dos jornalistas:

 

- Melhorando a eficácia e a prontidão do Mecanismo Federal de Proteção aos Jornalistas, através de um reforço de suas capacidades humanas e financeiras e de uma profunda reorientação de seu papel na prevenção de riscos à profissão, sobretudo nos estados mais perigosos do país.

 

- Implementando, o mais rapidamente possível, as recomendações do Diagnóstico sobre o Funcionamento do Mecanismo, enviado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas às autoridades mexicanas em 29 de julho de 2019.

 

- Instaurando uma política global de suporte aos jornalistas e seus familiares vítimas de deslocamento forçado.

 

 

2) Reforçar os meios de investigação das autoridades mexicanas:

 

A Feadle (tribunal federal especial encarregado dos crimes contra a liberdade de expressão) fará parte, em breve, do novo tribunal federal especial encarregado dos Direitos Humanos. Nesse contexto, é urgente:

 

- Reforçar as prerrogativas, os recursos humanos e financeiros da Feadle

 

- Informar o mais brevemente possível sobre as novas orientações da Feadle relativas a investigações sobre crimes contra jornalistas e especificar as vias de recurso contra as decisões desse tribunal.

 

- Encorajar a Feadle a usar plenamente a sua capacidade de atração, do nível local para o federal, das investigações sobre delitos cometidos contra a liberdade de expressão, conforme previsto no artigo 21 do Código Penal. A RSF considera que essa atração deve se aplicar imperativamente nos casos dos assassinatos de Jorge Celestino Ruiz, Norma Sarabia Garduza e Francisco Romero, ocorridos em 2019.

 

- Que o novo Protocolo Homologado de investigação de crimes contra jornalistas, ratificado em outubro de 2018, seja efetivamente aplicado.

 

- Que o novo tribunal federal especial encarregado dos Direitos Humanos, do qual dependerá a Feadle, realize, o quanto antes, uma aproximação com as organizações da sociedade civil, com o objetivo de trocar informações sobre os novos objetivos e desafios a enfrentar.

 

 

O México está classificado na 144a posição, entre 180 países, no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2019 publicado pela RSF.

 

* Outros casos, sobretudo os dos jornalistas Samir Flores e Reynaldo Lopez, ainda estão em fase de verificação. A RSF deve determinar se existe uma relação claramente estabelecida entre o assassinato e a atividade jornalística.

Publié le
Updated on 28.08.2019