Eleições no Brasil em 2020: 5 recomendações da RSF aos vereadores para proteger a liberdade de imprensa

Diante da deterioração da situação da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no Brasil, a Repórteres sem Fronteiras convoca vereadores eleitos no pleito de 2020 a se comprometerem com os princípios que protegem o direito à informação e o livre exercício do jornalismo.

Ao estabelecer novos mandatos para prefeitos e vereadores em 5.570 municípios, as eleições de 2020 são um marco na dinâmica política do território brasileiro. Em plena pandemia, a votação foi feita num contexto atípico, no qual, em muitas partes do país, o cidadão teve de fazer sua escolha sem utilizar instrumentos básicos para fundamentar seu voto, como os debates entre candidatos e as campanhas corpo-a-corpo.


O pleito também acontece em meio a uma realidade cada vez mais complexa, quando se fala de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão. Em 2020, o Brasil caiu duas posições na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa da RSF (107º de 180 países) e, desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o ambiente é cada vez mais desfavorável para o livre exercício do jornalismo, com ataques diretos a jornalistas, comunicadores e a veículos de comunicação partindo de autoridades públicas de diferentes esferas (ver as análises trimestrais da RSF (1) (2) (3))


As eleições municipais podem ser uma nova oportunidade para combater esse cenário de violações a direitos tão básicos. Estão à mão de prefeitos e vereadores diversas ferramentas para não só proteger jornalistas e comunicadores, mas também para promover o entendimento na sociedade de que uma imprensa livre é pré-requisito para uma democracia plena.


Segundo a legislação brasileira, o vereador atua no poder legislativo da esfera municipal da federação, portanto, dentre suas ações primordiais estão criar, extinguir e emendar leis que sejam do âmbito do município que ele representa. Cabe também aos vereadores o papel de fiscalizar o poder executivo, representado, neste caso, pela figura do prefeito.


Levando em consideração estas definições, trazemos 5 recomendações para os candidatos eleitos agirem em prol da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e do livre exercício do jornalismo. A RSF estará atenta ao cumprimento destas recomendações durante os mandatos que se iniciam em 2021 e se prontifica, sempre que possível, a acompanhar e a orientar a implantação de medidas em consonância com estas recomendações. 


  • Recomendação nº 1 - A garantia do direito à informação e o compromisso com a transparência

Decisões reiteradas do judiciário brasileiro denunciam a inconstitucionalidade de se impedir ou dificultar o acesso de jornalistas ou veículos de comunicação a documentos e informações de interesse público em posse dos órgãos de Estado, ou ainda de impedir ou dificultar o acesso do público a conteúdo jornalístico publicado ou a ser publicado. Conhecidas como “censura prévia” ou “chilling effect” (efeito inibidor), estas práticas são interpretadas pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucionais e devem ser coibidas. A RSF recomenda que os vereadores eleitos se empenhem no combate a tais práticas censórias, seja por meio da confecção de projetos de lei, seja pela denúncia pública e o compromisso de votar contra leis que possam atingir direta ou indiretamente esses valores em seu município.


A RSF espera que os assessores e funcionários do vereador estejam em sintonia com estes valores e práticas democráticas - e que, caso assim não procedam, sejam afastados das suas funções públicas.   


  • Recomendação nº 2 - O combate à perseguição a jornalistas e o compromisso com a proteção e a segurança dos profissionais da mídia 

 O Brasil é um país sensível para o exercício da atividade jornalística, em que não são raros ataques a jornalistas no estrito cumprimento de suas funções, incluindo agressões verbais, físicas e até assassinatos. É importante ressaltar que a agressão contra um jornalista na sua missão de levar informações ao público configura uma agressão a toda a sociedade e, por isso, precisa ser combatida veementemente pelas políticas de Estado. A RSF recomenda que os vereadores eleitos se comprometam a proteger jornalistas de ameaças e agressões e a dar maior segurança ao exercício da profissão por intermédio de projetos de lei que sancionem de forma mais efetiva qualquer tipo de violência praticada contra esses profissionais. Esperamos também que os vereadores promovam audiências públicas para ouvir jornalistas dos municípios que representam, para que estes projetos de lei sejam de fato compatíveis com as necessidades destes jornalistas em termos de proteção e segurança.  


  • Recomendação nº 3 - O uso ético e transparente da verba publicitária 

Uma outra forma de se promover indiretamente censura à imprensa é via destinação de verbas publicitárias por parte do poder público a veículos de comunicação. A ausência de proporcionalidade, de coerência ou ainda a inexistência de critérios sólidos na destinação dessas verbas pode tornar um veículo de comunicação totalmente dependente da esfera pública ou desidratá-lo financeiramente, comprometendo a independência editorial e a qualidade das informações publicadas.


Ao concentrar ações de publicidade em alguns poucos veículos, no lugar de pulverizar essas ações em canais diversificados, a administração pública pode acabar impedindo que informações confiáveis cheguem a um número maior de pessoas, cerceando o direito da população à informação. A RSF recomenda que os vereadores eleitos fiscalizem a prestação de contas da prefeitura sobre gastos públicos com veículos de mídia, de forma detida, minuciosa e com o critério da diversificação em mente. 


  • Recomendação nº 4 - O relacionamento adequado e respeitoso com a imprensa

A defesa dos valores e princípios constitucionais relacionados às liberdades de expressão e de imprensa precisa ser uma prática diária de toda autoridade pública. E um primeiro passo nesta direção é o próprio trato do gestor público com os profissionais de imprensa. A RSF espera que os vereadores eleitos, seus assessores e funcionários se valham de cordialidade e respeito no trato com jornalistas, comunicadores e com veículos de comunicação, de forma geral e irrestrita. Recomendamos ainda que os vereadores não privilegiem profissionais e veículos específicos na concessão de entrevistas, nem impeçam qualquer jornalista ou veículo de comunicação a acessar locais públicos durante suas coberturas. 


  • Recomendação nº 5 - O incentivo às produções locais e independentes, e ao pluralismo no campo jornalístico 

Estima-se que cerca de 2/3 dos municípios brasileiros não tenham qualquer produção jornalística autônoma, são os chamados desertos de notícias (ver a pesquisa completa: Atlas da Notícia do Instituto Projor). Na prática, esse fenômeno que isola os indivíduos e impede que possam se identificar com as informações que acessam, se dá por diversas razões, dentre elas a ausência de investimento na produção jornalística local e de incentivos a produções independentes. A RSF defende que a informação circule ampla e livremente também fora dos grandes centros urbanos, de modo a tornar mais democrático o exercício das liberdades de expressão e de imprensa no Brasil.  


Portanto, recomendamos aos vereadores eleitos dar especial atenção a projetos de lei que incentivem as produções independentes e as mídias locais, seja com verba publicitária, seja com outros subsídios, de modo a estimular a circulação de informações que tenham por objetivo retratar a vida social, a política e a cultura do município. A RSF espera também que os vereadores promovam audiências públicas que deem voz aos jornalistas e responsáveis pelas mídias locais, de modo a que os projetos de lei atendam às necessidades específicas da localidade.

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Updated on 17.11.2020