Supremo Tribunal Federal abre caminho à revogação definitiva da Lei de Imprensa de 1967, herdada da ditadura militar

Repórteres sem Fronteiras rejubila-se com a decisão histórica da alta jurisdição, que constitui passo irreversível rumo à despenalização de todos os delitos de imprensa.

Reunidos em sessão plenária, em 27 de fevereiro 2008, os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta jurisdição brasileira, confirmaram a liminar concedida, no último dia 21 de fevereiro, por Carlos Ayres Britto, que suspende a aplicação de vinte dos setenta e sete artigos da Lei de Imprensa de 1967. Herdado da ditadura militar, o texto prevê, principalmente, penas de prisão para delitos como '“injúria”, “calúnia” e “difamação”. Contrariando, em seus princípios, a Constituição de 1988, essa lei já não é aplicada no nível federal, mas continua a ser meio de pressão eficaz sobre os jornalistas de alguns Estados. Repórteres sem Fronteiras rejubila-se com essa decisão histórica, que constitui passo irreversível rumo à despenalização de todos os delitos de imprensa.

Dos dez membros do STF chamados a se pronunciar, seis aprovaram a suspensão parcial da lei, ordenada por Carlos Ayres Britto, três votaram pela suspensão total do texto, e só um votou contra, por contestar o procedimento judicial. A datar de 27 de fevereiro, os altos magistrados terão prazo de seis meses para ratificar a suspensão definitiva da Lei de 1967. Essa decisão dos juízes abre caminho à revogação definitiva do texto, prevista no anteprojeto apresentado, em dezembro passado, pelo Deputado Federal Miro Teixeira.

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16.01.08 - Repórteres sem Fronteiras escreve ao deputado Miro Teixeira, autor do anteprojeto de lei que revoga lei de imprensa de 1967

Ilmo. Sr. Deputado Miro Teixeira

Câmara dos Deputados

Praça do Três Poderes

Brasília - D.F.

Senhor Deputado,

Repórteres sem Fronteiras, organização internacional de defesa da liberdade de imprensa, congratula V. Sa. pela iniciativa de revogar a Lei de Imprensa de 9 de fevereiro de 1967, adotada durante a pior fase da ditadura militar, nos anos de 1964 a 1985. Esperamos que o anteprojeto de lei que apresentou, com sucesso, em 6 de dezembro de 2007, para aprovação em princípio do Sr. Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados no Congresso Nacional, seja objeto de voto positivo nos mais curtos prazos.

Tornada caduca, em seus considerandos, pela Constituição de 1988, que faz da liberdade de informar um direito fundamental, e abandonada pelas jurisdições federais, a Lei de 1967 continua, infelizmente, a ser, no nível regional, arma muito freqüentemente utilizada para intimidar jornalistas ou impor-lhes silêncio, como V. Sa. o salientou. Ao dar apoio a seu projeto de lei, Repórteres sem Fronteiras deseja que este também seja ocasião para se resolverem três problemas que a imprensa brasileira enfrenta e constituem obstáculos à liberdade de expressão.

1- A revogação da Lei de 1967 acarreta, de fato, total despenalização dos delitos de imprensa, substituída por indenizações civis (multas, direito de resposta), recomendadas por seu texto. Esse dispositivo vai ao encontro da Declaração de Chapultepec sobre liberdade de expressão e informação - elaborada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), aos 11 de março de 1994 -, que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou em 3 de maio de 2006. A Declaração invalida também qualquer recurso à legislação sobre imprensa ainda em vigor, mas sua aplicação só se fará durante o mandato do presidente signatário. Não constitui compromisso para seus sucessores.

Segundo a Lei de 1967, o fato de “fazer propaganda de guerra, processos de subversão contra a ordem política e social ” será punido com pena de até quatro anos de prisão (artigo 14). O artigo 17 prevê penas de até três anos de prisão e multa equivalente a até vinte salários mínimos para o fato de “ofender a moral pública e os bons costumes”. São previstas penas semelhantes em caso de “calúnia” (artigo 20), “difamação” (artigo 21) e “injúria” (artigo 22). O artigo 23 aumenta em um terço o peso das penas se uma dessas ofensas for cometida contra autoridades ou órgãos públicos.

2- Seu projeto de lei também se baseia numa definição ampla da profissão de jornalista, que reconhece a toda pessoa que trabalhe com informação - inclusive bloggers -, o direito de se considerar como tal. Damos total apoio a essa definição. Ainda uma vez, o projeto contradiz o enquadramento imposto à profissão pelo regime militar. No entanto, tal definição vem de encontro ao debate sobre a obrigação de ser-se ou não titular de um diploma para poder-se exercer a profissão de jornalista. Essa questão divide profundamente as organizações profissionais. Em 26 de julho de 2006, o Presidente Lula opôs veto total à lei de “valorização da profissão de jornalista”, que previa estender a certas funções (comentarista esportivo, professor de jornalismo, fotógrafo, infografista...) a prévia obtenção de diploma e instituía um organismo de regulação da mídia. No dia 8 de novembro seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgando um litígio, ratificou a obrigação de se possuir título universitário para ser jornalista. Foi contradito, duas semanas depois, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta jurisdição federal. Se a jurisprudência do STF por enquanto se impõe, esperamos que se traduza na futura lei.

3- Preocupa-nos ainda uma última questão: a multiplicação de ordens de censura prévia, ditadas pela justiça contra a mídia. Essas medidas dizem respeito tanto a jornais quanto a sites Internet ou blogs, e freqüentemente são resultantes de pressões de políticos locais sobre as jurisdições dos Estados.

À guisa de exemplo : em dezembro de 2007, um tribunal de Porto Alegre obrigou o jornalista Vítor Vieira a retirar dezessete posts aos quais se podia ter acesso através do site Vide Versus. Esses posts continham passagens de mesas de escuta telefônica, extratos de conversas de um deputado do Rio Grande do Sul. Naturalmente, esse conteúdo era objeto de inquérito judicial, mas pode-se censurar o jornalista - é esse o seu papel -, por tê-lo levado ao conhecimento público ?

A lei que V. Sa. propõe facilita o uso do direito de resposta. O deputado envolvido no caso, Alceu Moreira, teria, então, a possibilidade de defender-se. Outro exemplo: em 10 de janeiro de 2008, a Justiça do Rio de Janeiro proibiu à midia audiovisual divulgar nomes e imagens de três estudantes condenados por violências contra uma prostituta, em novembro último. A medida mostra-se ainda mais absurda porque se aplica a um caso julgado, logo, levado ao conhecimento da sociedade. Em outro caso ainda mais grave, no dia 8 de Janeiro um juiz federal proibiu formalmente o grupo público de audiovisual Rádio e TV Educativa do Paraná de difundir as opiniões do Governador do Estado, Roberto Requião. Seu projeto de lei deverá também pôr um fim a esses abusos judiciais, atentatórios à liberdade de informar e ser informado.

Reiterando nosso apoio a seu projeto de lei, pedimos-lhe aceitar, Senhor Deputado, nossos protestos da mais alta consideração.

Atenciosamente,

Robert Ménard

Secretário Geral

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Updated on 20.01.2016