Eleições no Brasil: Reportagem investigativa é destaque da cobertura eleitoral e coloca jornalista no radar de agressores

A terceira semana da campanha eleitoral foi marcada pela continuidade de ataques contra a emissora Globo e a apresentadora Vera Magalhães, principais alvos de agressões na semana anterior. A jornalista Juliana Dal Piva, que já havia sido vítima de ofensas e ameaças nas redes, voltou a entrar na mira de agressores após a publicação de uma reportagem investigativa sobre o patrimônio do presidente Jair Bolsonaro, e de sua família. 

Na terceira semana da campanha eleitoral no Brasil, entre os dias 29 de agosto e 4 de setembro, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) registrou 33.737 postagens nas redes sociais com termos associados a ataques e intimidações contra a imprensa. A maior parte dos conteúdos (25.250) foi direcionada a agressões difusas contra a imprensa em geral ou contra veículos de comunicação - e não visando jornalistas específicos.

Nesta semana, 214 hashtags foram utilizadas para atacar a imprensa, mencionadas em 12.584 postagens diferentes. Dessas, destacam-se as hashtags #globolixo (7.853) e #cnnlixo (1.015). Além da #globolixo ser novamente a  principal hashtag presente em ataques à imprensa, outras combinações com o nome da emissora também vem sendo usadas, como #globolixoederretendo, #globolixoepetista, #globogolpista ou #globosta, explicitando o alvo preferencial dos agressores do jornalismo nas redes sociais. 

 

Os veículos que mais receberam postagens com termos ofensivos foram Rede Globo (11.342), UOL (1.503), CNN (1.281), Folha de S.Paulo (761), o Estado de S.Paulo (533), Veja (297) e Band (216). E entre os jornalistas mais atacados estão Vera Magalhães (2.096), Eliane Cantanhêde (674), Andréia Sadi (507), Fernando Mitre (452), Mônica Bergamo (431), Miriam Leitão (388), Ricardo Noblat (310), Reinaldo Azevedo (256) e Gabriela Prioli (247)

O fato de Vera Magalhães continuar recebendo um grande volume de postagens violentas mostra que a onda desencadeada após a agressão verbal do presidente Bolsonaro no dia 28 de agosto, no debate entre candidatos na TV, seguiu forte esta semana. A repercussão do episódio continuou, assim como os ataques à jornalista.

Os três perfis que mais atacaram a imprensa na semana foram @antonioalvespho, @theoneto18, @paulodmathias. Em comum, os três declaram abertamente o apoio ao presidente Jair Bolsonaro em suas contas.

Alvos da semana

No dia 30 de agosto, os jornalistas Thiago Herdy e Juliana Dal Piva, repórteres do UOL, revelaram em reportagem que metade do patrimônio da família Bolsonaro, desde os anos 1990, foi comprado em dinheiro vivo, incluindo ao menos 51 imóveis. A reportagem teve grande repercussão na mídia e no debate político, passando a pautar questionamentos ao presidente Bolsonaro por parte da imprensa e também de seus adversários na campanha eleitoral. Juliana, que já havia sofrido ataques em função da publicação de outras reportagens denunciando casos de suspeita de corrupção na família Bolsonaro, voltou a ser alvo de ofensas. 

 

Pelo menos 95 postagens com agressões foram direcionadas à jornalista no Twitter. Ainda que Juliana Dal Piva não esteja entre os jornalistas que mais sofreram ataques na semana, a importância que sua reportagem teve no debate público a recolocou no radar e na prioridade de agressores. O monitoramento pôde identificar recorrentes tentativas de descredibilizar o trabalho da jornalista e do veículo responsável pela publicação (UOL), inclusive com ampla reprodução de informações falsas.

Outro caso que vale destaque na semana foi o de Flávia Oliveira, jornalista do Grupo Globo. Em sabatina da CBN, O Globo, Valor e Extra, realizada no dia 31 de agosto com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, Flávia foi grosseiramente interrompida pelo candidato à reeleição. Ele a chamou de “mal-educada” e a tentou intimidar durante o debate. Na mesma semana, sem que Flávia ou os veículos fossem consultados, a coligação adversária, de Marcelo Freixo, deu visibilidade ao vídeo da sabatina no horário eleitoral na TV, ampliando a repercussão do caso. A partir daí, Flávia passou a ser atacada nas redes pelos apoiadores do governador. Ao entrar no radar de contas que sistematicamente atacam a imprensa, ela recebeu ao menos 19 agressões em seu perfil no Twitter

O papel das autoridades na intimidação de jornalistas

Ao declarar em entrevista à revista Veja que não convidaria o presidente Bolsonaro para a nova temporada de seu programa de entrevistas, a comentarista e apresentadora da CNN Brasil Gabriela Prioli entrou na mira do candidato à reeleição. A jornalista declarou: “Não o considero uma pessoa suficientemente interessante para a entrevista. Depois, não acho oportuno abrir espaço para quem ataca abertamente a democracia”, disse. 

Em resposta à declaração, o Jair Bolsonaro postou em sua conta do twitter: “Tabajara Futebol Clube diz por que não quer Neymar em seu time”, procurando descredibilizar a apresentadora. O tweet do presidente recebeu 13.821 retuítes e alcançou mais de 13 milhões e 670 mil pessoas.

 

Com as reações de apoio à postagem de Bolsonaro, Gabriela Prioli entrou na lista dos 10 jornalistas que mais sofreram ataques na semana, enquanto nas semanas anteriores sequer figurava entre os citados. A apresentadora levantou a questão em suas contas nas redes sociais. No Twitter, escreveu:

“Ontem, o Presidente da República publicou no seu Instagram uma matéria sobre mim fazendo piada. Sentiu, Bolsonaro? Sabemos o propósito: direcionar a sua militância para um ataque. A convocação atinge, no meu caso, uma mulher grávida de seis meses de uma menina.”

Recebi centenas de ofensas e ameaças o que, ao contrário de me intimidar, reforçam a minha convicção de que você faz parte da escória da humanidade e deve ser varrido de volta pro lugar de onde nunca deveria ter saído.

Ainda que os números levantados durante a terceira semana da campanha eleitoral sejam significamente inferiores aos registrados na segunda, marcada pelas entrevistas dos presidenciáveis ao Jornal Nacional (Globo) e pelo debate entre candidatos/as na TV Band, o monitoramento indica que as agressões a jornalistas seguem sistemáticas e se repetem mesmo em períodos com poucos fatos envolvendo diretamente o trabalho da imprensa.

Sobre o projeto

Durante as eleições (16 de agosto a 30 de outubro), a Repórteres sem Fronteiras (RSF) realiza um monitoramento sistemático das redes sociais, em particular do Twitter, para analisar e decifrar o alcance e os padrões por detrás dessa hostilidade crescente contra o jornalismo. Até o final do segundo turno, 120 jornalistas e comentaristas, além de perfis de autoridades públicas e candidatos às eleições, serão acompanhadas diariamente em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), centro de pesquisa de referência especializado em análise de redes sociais e tendências digitais. 

A RSF publica análises semanais com base nos levantamentos realizados, que serão compilados nesta página.

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