RSF registra queixa contra o Facebook na França por “práticas comerciais enganosas”

A Repórteres sem Fronteiras (RSF) apresentou uma queixa ao promotor público de Paris contra o Facebook pela proliferação online massiva de ódio e informações falsas. A denúncia coloca em evidência a contradição entre os compromissos da rede social perante os consumidores e a realidade do seu funcionamento.

No dia 23 de março, a RSF apresentou uma queixa contra o Facebook por “práticas comerciais enganosas” junto ao promotor público de Paris. A partir de relatórios judiciais, análises de especialistas, depoimentos e manifestações de ex-funcionários do Facebook a RSF demonstra que os compromissos da empresa californiana com os consumidores são amplamente baseados em alegações falsas. O Facebook, na verdade, permite que a desinformação e o ódio se espalhem (de forma geral e também contra jornalistas), o que contradiz seus termos gerais de uso e suas campanhas publicitárias. 


Para denunciar este fenômeno generalizado, em escala global, a RSF optou por registrar uma queixa na França, onde o direito do consumidor é particularmente adequado. O Facebook tem um grande número de consumidores no país: 38 milhões, incluindo 24 milhões de usuários únicos diários. Como os termos de serviço do Facebook são os mesmos em todo o planeta, uma decisão judicial na França sobre sua natureza enganosa pode ter um impacto global. A RSF também está estudando o registro de queixas semelhantes em outros países.


A queixa se dirige formalmente às empresas Facebook França e Facebook Irlanda. Nos termos dos artigos L121-2 a L121-5 do Código do Consumidor francês, considera-se enganosa uma prática comercial que “é baseada em alegações, indicações ou apresentações falsas ou enganosas”, especificamente em relação “às características essenciais do bem ou serviço” ou "ao escopo dos compromissos do anunciante”. Tal infração é passível de multa podendo chegar até 10% do volume de faturamento médio anual (art. L132-2 do Código do Consumidor).


Nos seus termos gerais de uso, o Facebook se compromete a exercer a devida diligência “para manter um ambiente seguro e livre de erros”. A empresa se compromete a proibir o compartilhamento de “qualquer coisa ilegal ou enganosa”. Segundo os padrões da comunidade, que especificam as modalidades de aplicação dos termos de uso, Facebook se compromete a “reduzir significativamente a disseminação de informações falsas”. Em uma campanha publicitária divulgada na imprensa francesa, no início de 2021, o Facebook também se orgulha de agir para oferecer “informações precisas em tempo real, para melhor combater a pandemia” e afirma que colabora com governos e organizações internacionais “para compartilhar informações confiáveis sobre a COVID-19”. 


A realidade é bem diferente. A First Draf, organização fundada em 2015 para combater a desinformação online, concluiu recentemente que o Facebook é o principal foco das teorias da conspiração em torno das vacinas para as comunidades francófonas. Durante o último trimestre de 2020, 1,2 bilhões de interações com sites enganosos foram registradas no Facebook pelo German Marshall Fund (GMF). Em um estudo publicado em 2020, o Facebook também foi apontado como a "menos segura das principais plataformas". Os elementos fornecidos pela RSF como evidências na denúncia confirmam a extensão do fenômeno e oferecem exemplos emblemáticos. 


Em termos de luta contra o ódio online, a RSF fornece dois relatórios judiciais (respectivamente 80 e 73 páginas). O primeiro diz respeito à páginado Charlie Hebdo no Facebook, em particular à publicação da edição “Tout ça pour ça”, de setembro de 2020 (durante a abertura do processo relativo aos atentados de janeiro de 2015). A RSF identificou, na postagem, dezenas de comentários insultando, ameaçando ou pedindo violência contra o jornal e sua equipe. O segundo relatório trata de comentários de ódio e ameaças dirigidos a jornalistas do programa Quotidien, publicados em páginas públicas, e ameaças contra o jornal L'Union, que teve um de seus fotógrafos brutalmente agredido em fevereiro de 2021. O jornal também atestou, em depoimento, a violência que seus jornalistas enfrentam regularmente no Facebook.


No que se refere à desinformação, a RSF apresenta dois relatórios judiciais realizados em dezembro de 2020 (respectivamente, 478 e 86 páginas), que mostram quão fácil é acessar uma vasta gama de desinformação sobre a Covid, com um alcance considerável, e que o Facebook não rotula como tal. Por exemplo, cinco postagens do vídeo conspiracionista Hold-up– apenas cinco das muitas disponíveis na plataforma – foram vistas mais de 4,5 milhões de vezes em dois meses. Outro filme sobre a Covid, intitulado Manigances-19 e que segundo análise da AFP contém numerosas farsas, foi visualizado quase 4 mil vezes por dia, em média, durante dois meses. Outro exemplo apresentado na queixa é de uma publicação que contém um link para um vídeo intitulado Claire Edwards, membro da ONU, denuncia o genocídio planejado da Covid-19 (Censurado), que foi visualizado por quase 400 mil usuários.

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Updated on 29.10.2021