Pedido de explicações após supressão suspeita de programa da rádio pública
Repórteres sem Fronteiras exprime a sua mais viva preocupação na sequência das suspeitas de ingerência política que pesam sobre a principal rádio pública portuguesa, Antena 1. A estação anunciou inesperadamente a suspensão de um programa matinal e pôs fim ao contrato de cinco colaboradores, poucos dias depois de uma crónica particularmente crítica de um deles, Pedro Rosa Mendes.
“Práticas deste tipo, a se confirmarem, são absolutamente inaceitáveis. Este caso vem sublinhar a necessidade urgente de reformar o modo de nomeação dos administradores do audiovisual público, de forma a garantir a sua independência, tanto em Portugal como em vários outros países-membros da União Europeia. O grupo público Rádio Televisão Portuguesa (RTP) terá de dar explicações acerca de uma série de perguntas que ficaram, até ao momento, sem resposta: se a decisão de suprimir o espaço de opinião havia sido tomada “há algum tempo”, por quê esperar pela última semana dos contratos para avisar os cronistas? Que argumentos editoriais justificam esta decisão? Até agora, nenhum foi fornecido”, relembra a organização.
Contactados por Repórteres sem Fronteiras, nem o diretor-geral da RTP nem o seu serviço de comunicação desejaram pronunciar-se sobre o tema.
A 23 de Janeiro de 2012, a direção de informação da Antena 1 anunciou aos cinco cronistas do programa matinal “Este Tempo” que os seus contratos não seriam renovados no fim do mês e que este espaço de opinião seria suspenso a partir de 30 de Janeiro.
Segundo Pedro Rosa Mendes, esta decisão vincula-se diretamente à sua crónica de 18 de Janeiro de 2012, na qual criticava um programa transmitido dois dias antes no canal público RTP1, sobre as relações entre Portugal e Angola. O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, que tutela igualmente o audiovisual público, foi um dos convidados deste programa especial emitido de Luanda. Vários comentadores consideraram-no uma verdadeira “ação de propaganda” em prol do regime autoritário angolano.
O diretor-geral da RTP, Luís Marinho, declarou à comunicação social que a decisão de colocar um ponto final ao programa fora tomada “há algum tempo”, e assumiu a responsabilidade pela medida. No entanto, o anúncio da extinção de “Este Tempo” apanhou de surpresa o conjunto da equipa. Raquel Freire, cineasta e cronista das terças-feiras, foi avisada na véspera que a sua intervenção da manhã seguinte seria a última.
Pedro Rosa Mendes informou a imprensa de que um responsável da informação da Antena 1 lhe revelara que a suspensão do programa obedecia a um pedido da administração da RTP, nomeada pelo executivo. “Luís Marinho afirmou explicitamente aos diretores da Antena 1 que a crónica sobre Angola do dia 18 de Janeiro não tinha agradado à administração e que o espaço de opinião iria ser suprimido.”
Contactado por Repórteres sem Fronteiras, Pedro Rosa Mendes também indicou que, no dia 20 de Janeiro (entre a difusão da crónica e o anúncio da suspensão do programa), os serviços administrativos da estação contactaram-no a propósito de um pormenor técnico relativo ao seu contrato de cronista, sem mencionar um eventual termo definitivo do contrato. Até essa data, os contratos dos cinco colaboradores haviam sido renovados de forma quase automática de 6 em 6 meses, desde há 2 anos. “Não prova isto que a decisão da RTP foi tomada após dia 20 de Janeiro, e não antes?”, interroga-se a organização.
A oposição parlamentária pediu esclarecimentos ao ministro Miguel Relvas. No dia 31 de Janeiro, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social recebeu Rui Pêgo e João Barreiros, respetivamente diretores de Programas e Informação da Antena 1, assim como Ricardo Alexandre, diretor-adjunto de Informação e responsável pelo programa da manhã da Antena 1 em que estava integrado “Este Tempo”. Este último informou o Conselho de Redação da estação, na manhã de 1 de Fevereiro, que iria abandonar as suas funções no programa em questão. Questionado por Repórteres sem Fronteiras, Ricardo Alexandre declinou prestar declarações suplementares em relação aos motivos da sua decisão. A organização continuará a acompanhar com atenção os desenvolvimentos deste caso.
Portugal está classificado na 33ª posição entre 179 países na última Classificação Mundial da liberdade de imprensa publicada pela organização.