Eleições no Brasil: Debates na TV e cobertura da votação ampliam ataques à imprensa no final da campanha eleitoral

A reta final da campanha eleitoral, quando aconteceram os debates na TV Globo entre candidatos a governos estaduais (dia 27) e à presidência da república (dia 28) e a votação em segundo turno (dia 30), registrou um aumento no número de postagens de conteúdo agressivo à imprensa em relação ao que vinha sendo constatado nas últimas semanas. Entre os dias 24 e 30 de outubro, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) monitorou 13.920 ataques a jornalistas e meios de comunicação no Twitter, sendo mais da metade deles nos últimos três dias da semana

O debate entre os candidatos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, agora presidente eleito, fez diversas hashtags de agressão ao jornalismo serem veiculadas em associação à #debatenaglobo e também #bolsonaropresidente, #ptnuncamais, #bolsonaroreeleito,  #lulaladrão, #lulavergonhanacional. O grafo abaixo mostra as hashtags de ataque à imprensa mais utilizadas entre 28 e 30 de outubro e aquelas compartilhadas junto com elas. #Globolixo foi citada 9.013 vezes, seguida de #globolixoepetista (821). Cada agrupamento de cores representa uma “comunidade” específica de usuários que compartilharam em conjunto o mesmo grupo de hashtags, demonstrando uma articulação das postagens direcionadas à TV Globo a partir do debate presidencial.

 

O período analisado registrou, no total, 58 hashtags ofensivas à imprensa. Além das já mencionadas, estão #UOLlixo (235), #noticiasfalsas (207) e #CNNlixo (198). 

O debate do dia 28 também foi objeto da manifestação de jornalistas e influenciadores bolsonaristas que, desde o início da campanha, tem operado como catalisadores de ataques a veículos e outros profissionais da comunicação. Em geral, tais perfis fazem comentários agressivos à imprensa que servem de incentivo para mais ofensas de seus seguidores nos comentários a essas postagens. Nessa semana, o fenômeno ficou evidenciado por postagens dos jornalistas Guilherme Fiúza e Milton Neves, apoiadores do presidente Bolsonaro, contra o mediador do debate na Globo, William Bonner. Em razão da mediação feita, William Bonner recebeu pelo menos 52 postagens ofensivas durante e nos dois dias que se seguiram ao debate.

 

O agressor padrão

Mas não é apenas da intimidação de influenciadores digitais que sofre a imprensa. O usuário padrão que, sistematicamente, dedica tempo a ofender e a atacar jornalistas é bastante diferente. O perfil @marcios23514487 é um caso emblemático da operação de agressão à imprensa realizada durante as eleições. Como mostram os prints abaixo, o perfil com frequência posta conteúdo repetido em comentários de diferentes perfis de jornalistas, afirmando que eles são “militantes” e uma “piada”, e utilizando imagens e hashtags de ataques como “globolixo”. Assim, procura descredibilizar e deslegitimar o trabalho da imprensa e, ao mesmo tempo, importuna repórteres e comentaristas ao publicar a mesma coisa recorrentemente em suas páginas. No caso em questão, a conta foi criada em abril de 2022 e não está identificada com o nome ou foto de uma pessoa.

Outro perfil que representa um padrão identificado ao longo do monitoramento das eleições é @AvcbIncendio, criado em outubro deste ano (como vários identificados em relatórios anteriores), que utiliza em sua bio a frase “tropa do Bolsonaro”. A conta tem uma atuação “não orgânica”, caracterizada pela ausência de foto e capa no Twitter, por contar com poucos seguidores, ter escrita pouco natural e predomínio de postagens em comentários sobre debates de que Bolsonaro participou. Além disso, a conta utiliza de forma recorrente as hashtags #globolixo, destaque nos relatórios, associada com a #tropadobolsonaro, como vemos abaixo.

Alvos da semana

Os jornalistas mais hostilizados na semana de 24 a 30 de outubro foram Miriam Leitão (recebeu 832 postagens ofensivas), Eliane Cantanhêde (360), Vera Magalhães (288), Andréia Sadi (245), Mônica Bergamo (200), Reinaldo Azevedo (120), Octavio Guedes (85), André Trigueiro (72), Gerson Camarotti (66) e Ricardo Noblat (59). As jornalistas Miriam Leitão, Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães aparecem entre as mais atacadas em todas as semanas do período eleitoral, desde o primeiro turno. Os ataques que recebem são majoritariamente de caráter misógino e sexual, com ofensas à imagem pessoal da jornalista.

Sobre o projeto

Durante as eleições (16 de agosto a 30 de outubro), a Repórteres sem Fronteiras realizou um monitoramento sistemático das redes sociais, em particular do Twitter, para analisar e decifrar o alcance e os padrões por detrás da crescente hostilidade contra o jornalismo. Neste período 120 jornalistas e comentaristas, além de perfis de autoridades públicas e candidatos às eleições, foram acompanhados diariamente em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), centro de pesquisa de referência especializado em análise de redes sociais e tendências digitais. 

As análises semanais com base nos levantamentos realizados foram publicadas nesta página. Um relatório completo com o resultado do monitoramento será publicado em breve.

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