Argentina: primeiro ano do mandato de Javier Milei marcado por um claro declínio da liberdade de imprensa
Desde que chegou ao poder, em dezembro de 2023, Javier Milei adotou um discurso polarizador e estigmatizante em relação aos jornalistas, a quem trata como inimigos. A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) alerta para a deterioração da liberdade de imprensa na Argentina. A organização apela ao governo para que respeite o exercício do jornalismo crítico e garanta o direito à informação pluralista no país.
O primeiro ano de mandato do presidente argentino, Javier Milei, foi marcado por inúmeros insultos e ataques cotidianos contra jornalistas e meios de comunicação. Acusações diretas e infundadas, mas também fatos e dados distorcidos, foram proferidos pelo próprio chefe de Estado. Javier Milei lidera essa ofensiva nas redes sociais ou em entrevistas, com o apoio de membros do poder executivo e funcionários públicos.
De acordo com informações coletadas pelo Fórum Argentino de Jornalismo (FOPEA), pelo menos 52 casos de discursos estigmatizantes foram registrados em 2024, variando de agressões verbais a intimidações, incluindo assédio em espaços públicos e assédio cibernético. Ao longo do ano, a RSF registrou pelo menos 12 agressões físicas contra jornalistas, alguns dos quais foram cometidos pela polícia, logo após o estabelecimento pela Ministra da Segurança, Patricia Bullrich, de um protocolo de segurança destinado a controlar e limitar as manifestações públicas.
“A RSF está em alerta diante das crescentes ameaças que pesam sobre o jornalismo na Argentina desde a posse de Javier Milei. Além de discursos extremamente agressivos e inaceitáveis, o Chefe de Estado e as autoridades públicas conduzem uma política que favorece a concentração dos meios de comunicação, limitando o pluralismo e a diversidade, o que afeta particularmente os meios de comunicação mais vulneráveis. Essa combinação de discurso hostil, violência física e assédio judicial e digital sinaliza uma profunda degradação da liberdade de imprensa. É imperativo que essa ofensiva acabe e que o governo argentino respeite e garanta o exercício do jornalismo no país.
Um ano sombrio para a imprensa argentina
Embora o país esteja longe de estar entre os mais violentos do mundo para os jornalistas, segundo o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da RSF (66º entre 180 países), as condições do jornalismo se deterioraram no último ano. Os ataques verbais diários de Javier Milei são o aspecto mais visível dessa violência, mas são apenas uma fração do que acontece em âmbito nacional.
Desde dezembro de 2023, o governo de Javier Milei colocou na pauta a revisão da lei de 2009 sobre meios audiovisuais, adotada para pôr fim aos monopólios no setor. Seu governo eliminou o limite do número de licenças que podem ser detidas por um único licenciado em rádio, televisão terrestre e redes a cabo. Esse retrocesso abre caminho para a concentração dos meios de comunicação em benefício de grandes grupos, muitas vezes conglomerados que reúnem atividades de telecomunicações e fornecimento de acesso à Internet.
Em 2024, o governo também trabalhou para desmantelar os meios de comunicação públicos e interveio diretamente na sua gestão. O fechamento, no dia 4 de março, da agência de notícias estatal Télam, uma das mais antigas da América Latina, foi um dos golpes mais duros para o jornalismo argentino nos últimos anos. Os canais públicos Radio Nacional e Canal 7 também sofreram demissões e seus orçamentos e programas foram dizimados, enquanto os canais Encuentro e Paka-Paka sofreram cortes ainda mais severos.
O pluralismo do ecossistema midiático também foi consideravelmente restringido, privando os meios de comunicação independentes e pequenos de quaisquer subsídios.
Opacidade da informação pública
O Decreto 780/2024, publicado em 3 de setembro, restringiu consideravelmente o acesso à informação pública, ao ampliar as exceções que permitem ao governo não divulgar informações e ao exigir que os requerentes se registem e identifiquem para solicitar informações oficiais, o que pode ter um efeito intimidador.
Decisões judiciais que ameaçam a liberdade de imprensa também foram tomadas no período, criminalizando o jornalismo. Em 25 de abril, o Supremo Tribunal condenou o jornal Página 12 a modificar o título de um artigo de interesse público relativo aos supostos vínculos de um assessor parlamentar com torturadores da ditadura militar.
No dia 17 de junho, várias organizações da mídia denunciaram essa série de medidas, incluindo o assédio aos meios de comunicação públicos, a reorganização dos meios audiovisuais públicos e a suspensão de editais de licenciamento.
A Argentina ocupa o 66º lugar entre 180 países no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa estabelecido pela RSF em 2024.