"Amazônia: Jornalismo em Chamas": RSF lança relatório sobre os desafios do jornalismo local em uma região no coração da crise climática global
A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) apresenta dados inéditos sobre os obstáculos à liberdade de imprensa na Amazônia, região onde o jornalismo é particularmente vital para fazer frente aos desafios da crise climática.
A Amazônia abriga uma das mais importantes biodiversidades do planeta e tem um papel central na estabilização do clima mundial. A necessidade urgente de ação, principalmente para conter o desmatamento, que necessariamente exige informações livres e plurais, esbarra nos interesses econômicos de muitos atores. Sejam fazendeiros, criadores, madeireiros, garimpeiros ou empresas de mineração, aqueles que monopolizam a terra e os recursos naturais procuram silenciar as vozes que denunciam abusos e violações dos direitos humanos e crimes ambientais.
Ameaças, pressões, ataques... Jornalistas e comunicadores da região atuam com "um alvo no peito". Entre 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023, a RSF registrou 66 casos de ataques à imprensa nos nove estados da Amazônia Legal, que revelam a dinâmica da violência na raiz de um ambiente hostil para o jornalismo comprometido com a cobertura de questões socioambientais. A insegurança na região, combinada com pressões políticas e econômicas, cria condições que levam os jornalistas à autocensura.
Os jornalistas e os meios de comunicação também enfrentam desafios estruturais específicos da Amazônia, incluindo a complexidade logística dos deslocamentos e as desigualdades tecnológicas, mas também um contexto de alta concentração de propriedade da mídia e ingerência de poderes políticos e econômicos locais no conteúdo editorial. O jornalismo local e independente enfrenta dificuldades de financiamento, o que enfraquece o desenvolvimento de um ecossistema de mídia mais diverso e sustentável, abrindo o caminho para a para a desinformação.
"Para entender o que está acontecendo na linha de frente de um dos conflitos mais importantes de nosso tempo, precisamos de informações confiáveis que venham diretamente dos territórios. Em outras palavras, a defesa do jornalismo livre, plural, independente e local na Amazônia deve ser parte integrante das ações para enfrentar a emergência climática. A RSF continuará monitorando casos de ataques contra a imprensa, com foco na situação da Amazônia brasileira, a fim de mobilizar agentes públicos e privados sobre a relevância global do papel dos jornalistas locais que reportam, quase sem recursos ou reconhecimento, informações essenciais.
O relatório também reconstitui os passos dados na investigação do brutal assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira no Vale do Javari, no estado do Amazonas, ocorrido em junho de 2022, poucas semanas antes do início deste estudo, e que trouxe à tona o desafio de garantir a segurança dos jornalistas e comunicadores que continuam sendo ameaçados na região.
O relatório "Amazônia: Jornalismo em Chamas" também descreve o desenvolvimento de novas iniciativas que estão sendo constituídas por jornalistas e comunicadores locais para fazer frente aos desafios que se impõem no cotidiano. A RSF apresenta recomendações que visam contribuir com o desenvolvimento de um ecossistema de mídia confiável e plural na região.
Cinco pontos-chave do relatório:
- Assuntos proibidos
Dos 66 casos de violações da liberdade de imprensa - agressões físicas, assédio e ameaças - coletados por um observatório criado pela RSF com profissionais da mídia e organizações da sociedade civil entre 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023 nos nove estados da Amazônia Legal, 16 estavam diretamente ligados a reportagens sobre agronegócio, mineração, povos indígenas e violações de direitos humanos. Mesmo quando não é o assunto principal dos relatórios, as questões socioambientais estão presentes em uma grande parte dos assuntos políticos na Amazônia. Um terço dos abusos registrados ocorreu no contexto das eleições presidenciais de 2022.
- A autocensura como estratégia de sobrevivência
O histórico de assassinatos em conflitos de terra e o silenciamento de vozes dissidentes por meio da violência são, por si só, um fator de intimidação para os jornalistas e comunicadores na região. Esse ambiente hostil pode levar à autocensura como forma de evitar ataques e ameaças de representantes dos poderes político e econômico em um contexto marcado pela ausência de uma política de prevenção, proteção e valorização do jornalismo.
- Interferência política e econômica
A liberdade de imprensa e o direito à informação na Amazônia são estruturalmente limitados por um contexto de asfixia econômica. Os jornalistas locais relatam conflitos de interesse e pressão constante de anunciantes, tanto públicos quanto privados, para garantir uma linha editorial favorável aos seus interesses. A sustentabilidade de um ecossistema de mídia independente é um dos grandes desafios apontados pelo relatório. O cenário atual acaba facilitando o desenvolvimento de campanhas de desinformação e propaganda disfarçada de jornalismo.
- Desafios geográficos e de infraestrutura
A complexidade das viagens na Amazônia, muitas vezes envolvendo transporte por terra, rio e ar, resulta em custos significativos. Muitas histórias são mortas porque os meios de comunicação não têm recursos para iniciar ou prosseguir com uma investigação jornalística. As desigualdades com relação a novas tecnologias, conexões de Internet e redes telefônicas complicam ainda mais o trabalho da mídia.
- Reação em campo
Diante de ameaças e violência por parte de agentes públicos e privados, os jornalistas e comunicadores da Amazônia precisam ser criativos para se protegerem e poderem informar sobre a realidade de diversas áreas isoladas. A cooperação internacional e o fortalecimento das redes locais desempenham, portanto, um papel fundamental. O relatório apresenta práticas jornalísticas inovadoras em articulação com organizações da sociedade civil.
Cinco recomendações da RSF para um ambiente mais favorável ao jornalismo na Amazônia brasileira:
- Defender uma informação confiável, independente e plural no centro dos programas de proteção ao meio ambiente na Amazônia
- Desenvolver políticas de prevenção e proteção de jornalistas que trabalham com temas sensíveis na região
- Promover um ecossistema midiático plural e financeiramente sustentável
- Fortalecer programas de educação midiática e de combate à desinformação na Amazônia
- Ampliar o trabalho de monitoramento de ataques contra jornalistas na Amazônia.