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África
Ranking RSF 2021: já enfraquecido, o jornalismo na África fica mais vulnerável do que nunca com a crise sanitária

O papel dos jornalistas africanos e sua contribuição para o advento das democracias baseado num debate público factual e plural ainda está longe de ser reconhecido em seus respectivos países. A crise do coronavírus foi um episódio revelador dessa situação. Em vez de permitir que os jornalistas exercessem sua missão de informar, mais essencial do que nunca durante este período, autoridades africanas intensificaram ações destinadas a controlar a comunicação sobre o assunto e, muitas vezes, permitiram que florescessem ou mesmo contribuíram diretamente para hostilidades e desconfianças em relação àqueles que tentaram produzir informações de forma independente.

Jornalismo: vítima colateral do coronavírus

Entre 15 de março e 15 de maio de 2020, a RSF registrou três vezes mais prisões e agressões a jornalistas na África Subsaariana em comparação com o mesmo período do ano anterior. Muitos países, incluindo algumas das democracias mais avançadas do continente, usaram a força e a lei para impedir jornalistas de trabalhar. A cobertura das medidas de confinamento resultou em uma perna quebrada para um jornalista da RDC (149º, +1), em tiros de balas de borracha contra uma de suas colegas na África do Sul (32º, -1) e em 11 meses de prisão para o diretor de uma web TV de Ruanda (156o, -1), finalmente libertado em março passado. Esse recrudescimento de abusos é um lembrete de que os jornalistas africanos ainda são vistos, com muita frequência, como inimigos a serem controlados ou reprimidos, em vez de aliados no enfrentamento das crises e desafios contemporâneos. Esse notável aumento de violações se reflete na redução de 13% do indicador de Abusos do Ranking em relação ao ano passado, algo que contribui para que África continue a ser, em 2021, o continente mais violento para jornalistas, segundo a metodologia usada pela RSF.

O lugar do jornalismo investigativo e o seu reconhecimento também seguem muito limitados. A revelação de informações comprometedoras sobre a gestão da epidemia pode, por exemplo, levar seus autores à prisão, como foi o caso do jornalista investigativo Hopewell Chin'ono, cuja prisão ocorreu no Zimbábue (130º, -4) depois de ele denunciar um escândalo de desvio de verbas públicas na aquisição de equipamentos destinados ao combate à epidemia. No arquipélago das Comores (84º, -9), a jornalista Andjouza Abouheir foi ameaçada de ser processada depois de demonstrar que a ausência de casos de Covid-19 no país estava ligada a amostras que ainda não tinham sido analisadas.

De maneira mais geral, a pandemia contribuiu para enfraquecer um pouco mais a independência dos jornalistas e a relação que as sociedades mantêm com a verdade factual. Na Tanzânia (124º, 0), a cobertura das consequências da crise sanitária tornou-se praticamente impossível diante da negação da realidade pelas autoridades (ver quadro). O país se recusou a comprar vacinas, assim como o Burundi (147º, +13), cujo presidente Pierre Nkunrinziza morreu poucas semanas depois de sua esposa contrair a Covid-19. Vários países, como a África do Sul, Botsuana (38º, +1) ou Eswatini (141o) também criminalizaram a disseminação de “informações falsas” relacionadas à doença, punindo os autores das publicações com penas de prisão.

Tanzânia (124º): Blecaute de informações sobre a epidemia

Será que John Magufuli morreu de coronavírus, como parte da imprensa na África Oriental suspeita? Morto repentinamente em março passado, o presidente tanzaniano pode ter pago um alto preço por sua negação da realidade. Às vezes ele afirmava que o vírus era uma “conspiração dos ocidentais”, às vezes, que seu país havia expulsado o vírus “por meio da oração”. Verdadeiro predador da liberdade de imprensa desde que chegou ao poder em 2015, Magufuli aplicou na pandemia os mesmos métodos repressivos usados contra assuntos que desejava silenciar, organizando um verdadeiro blecaute de informação. Desde abril de 2020, nenhum dado epidemiológico foi comunicado pelas autoridades. Os jornalistas e meios de comunicação que tentaram cobrir o assunto foram ameaçados, presos ou suspensos. Novas medidas do país proibiram a publicação de informações "relativas a uma doença fatal" ou a reprodução de conteúdos estrangeiros, sob pena de uma temporada na cadeia para seus autores.

Jornalistas considerados cibercriminosos

Diante da desinformação, a África não escapou da gritante falta de transparência e eficácia das políticas de moderação de conteúdo aplicadas pelas principais plataformas digitais. Pior, elas foram, às vezes, responsáveis por atos de censura contra os próprios jornalistas. O The Continent, um dos mais famosos semanários sul-africanos, teve sua conta no Twitter suspensa - o que também aconteceu com pelo menos quatro jornalistas - por ter veiculado uma opinião de Bill Gates sobre a propriedade intelectual das vacinas, e por ter denunciado a decisão da rede social de bloquear a conta do veículo de comunicação. Ao se colocarem como aprendizes de reguladores da informação, sem legitimidade e sem salvaguardas democráticas, as plataformas trazem riscos à liberdade de informar.

A resposta dos governos africanos a esses novos desafios não oferece mais garantias. Pelo contrário. Novas normas adotadas com velocidade nos últimos anos, sob o pretexto do combate às infodemias, são ilustrativas do que pode ser utilizado para silenciar jornalistas. No Benim (114º, -1), uma reforma do código digital se mostra inevitável desde que o jornalista investigativo Ignace Sossou foi condenado a seis meses de prisão em regime fechado por ter publicado, no Twitter, comentários que de fato haviam sido feitos por um procurador da República. A nova lei sobre cibercrimes no Níger (59º, -2) também resultou na detenção de uma blogueira; enquanto, no Senegal (49º, -2), o código de imprensa, que progressivamente entra em vigor, mantém sanções penais muito pesadas, de até dois anos de prisão, por difamação. Trata-se de um caminho ainda mais preocupante tendo em vista que, em 2020, nenhum novo país africano acabou com as penas de privação da liberdade por crimes de imprensa, conforme defendido pela RSF, sobretudo na RDC ou na Somália (161º, +2). Esses dois países sozinhos respondem por 25% das detenções arbitrárias de jornalistas registradas por nossa organização em 2020 na África Subsaariana.

Mudanças de poder: esperanças frustradas

A falta de progresso nas tão esperadas reformas legais em Gâmbia (85º, +2), no Zimbábue, no Sudão (159º), em Angola (103º, +3) ou ainda na RDC também ilustram o preocupante marasmo em países que passaram recentemente por mudanças de governo ou pela queda de autocratas conhecidos por sua longevidade no poder e sua postura de inimigos dos meios de comunicação. Entre eles, a Etiópia (101º, -2) registra pela primeira vez uma queda no Ranking desde a chegada ao poder de Abiy Ahmed, em 2018. Embora as autoridades tenham atrelado sua comunicação ao lançamento de sua própria iniciativa de “checagem de fatos”, os jornalistas há muito foram impedidos de acessar as áreas de conflito que assolam o país. Alguns foram ameaçados; outros, presos.

O jornalismo continua sendo uma atividade perigosa no continente, especialmente em períodos de eleições ou em contexto de mobilizações sociais. Em Uganda (125º), a reeleição de Yoweri Museveni, após 35 anos no poder, foi acompanhada por um aumento maciço de abusos cometidos contra jornalistas, enquanto, no Congo (118º), Denis Sassou Nguesso conquistou o quarto mandato consecutivo com um jornalista detido arbitrariamente nas masmorras do país. Na África Ocidental, a Nigéria (120o, -5) faz agora parte dos países mais perigosos. Desde 2019, três jornalistas foram mortos impunemente quando cobriam manifestações. Finalmente, o ano passado não trouxe nenhuma resposta sobre o destino dos 11 jornalistas detidos na Eritreia (180º, -2), país que novamente ocupa o último lugar no Ranking, 20 anos após a grande onda de repressão que acabou com todos os meios de comunicação independentes e levou jornalistas à prisão ou ao exílio.