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Ranking RSF 2020 : Américas

Tendências preocupantes persistem na América do Norte, apesar das melhoras

Em toda a América do Norte, jornalistas e meios de comunicação enfrentam ameaças verbais e físicas, têm acesso negado a informações, enquanto se multiplicam as leis e processos que limitam seus direitos. A liberdade de imprensa nos Estados Unidos continua sofrendo com a presidência de Donald Trump, mas após três anos de declínio significativo no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, o país recuperou sua 45a posição (três a mais que no ano passado) e ingressou, por pouco, na zona de países onde a situação é considerada "satisfatória". A hostilidade em relação aos jornalistas e aos meios de comunicação aumentou e se intensificou, e os ataques mais virulentos foram os do próprio presidente - uma atitude agressiva que, em meio à pandemia de coronavírus em 2020, só piorou: os jornalistas que cobrem o tratamento da crise pelo governo Trump sofrem os ataques do presidente em suas coletivas de imprensa. Embora tenha subido para a 16a posição no Ranking 2020, o Canadá (+ 2) apresenta um histórico misto, com recusas de acesso a informações e decisões judiciais que dificultaram, mas também às vezes defenderam, os direitos dos jornalistas.

Persistência de assédio e de ameaças

Difamação pública, ameaças e assédio de jornalistas continuam predominando nos Estados Unidos.  Como nos anos anteriores, o presidente Trump atacou regularmente jornalistas e meios de comunicação ao longo de 2019, sobretudo por meio de ataques pessoais e acusações de "fake news". Essa expressão, popularizada pelo presidente Trump durante sua campanha eleitoral, agora é usada por líderes de todo o mundo para atacar os meios de comunicação.

O assédio de jornalistas pelas autoridades aduaneiras e de proteção de fronteiras dos Estados Unidos nos pontos de entrada no país tornou-se cada vez mais frequente nos últimos dois anos. Um jornalista declarou ter sido interrogado de maneira abusiva a respeito de seus artigos sobre o presidente Trump, outro foi acusado por um oficial de fronteira de ser um "mentiroso que atacava a democracia [americana]". Até mesmo na Jamaica (6a, + 2), o país com a melhor classificação da América do Norte, o primeiro-ministro inspirou-se na estratégia do presidente Trump: tentou minar a confiança do público na imprensa, declarando a seus apoiadores que a imprensa nem sempre relatava os fatos e que era melhor consultar suas próprias páginas nas redes sociais para obter informações confiáveis.

Nos Estados Unidos, os governos locais, os líderes religiosos e o público americano também demonstraram hostilidade crescente à imprensa ao longo do ano passado. E isso, mesmo que o nível de violência tenha diminuído no geral em relação a 2018 - o ano em que um homem armado matou cinco funcionários do jornal Capital Gazette, em Maryland - e que o número oficial de agressões físicas tenha sido menor em 2019 do que nos dois anos anteriores, de acordo com o Observatório Americano da Liberdade de Imprensa. Praticamente por toda parte, jornalistas continuam sendo agredidos, sobretudo durante manifestações, comícios pró-Trump e dentro dos edifícios legislativos estaduais e federais. Um soldado do exército americano e um tenente da Guarda Costeira foram presos quando preparavam, cada um do seu lado, violentos ataques contra jornalistas e importantes veículos de imprensa americanos.

Retaliação e direitos de acesso negados

Um número crescente de jornalistas foi impedido de cobrir certos temas polêmicos na América do Norte como um todo, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá. Em todo o território dos EUA, de Nova Jersey ao Kansas, as autoridades restringiram o acesso da imprensa a eventos ou manifestações de interesse público. Alguns, como os estados de Vermont ou Arkansas, tomaram a iniciativa de impor regulamentos susceptíveis de limitar a cobertura jornalística autorizada dentro de edifícios municipais. Infelizmente, o próprio governo Trump deu o exemplo. A coletiva de imprensa diária televisionada, com a presença do porta-voz, suprimida em março de 2019, foi substituída por "chopper talks", literalmente, "discursos de helicóptero", que ocorrem em frente ao avião Air Force One ou ao helicóptero Marine One, da presidência. Essas intervenções do tipo imprensa sensacionalista permitem ao presidente limitar e controlar o tempo que ele passa respondendo perguntas. O governo Trump também tentou revogar o credenciamento de imprensa de um correspondente da Casa Branca em agosto de 2019 e proibiu o acesso da equipe de imprensa a reuniões de alto nível.

Em março de 2019, quando a caravana de migrantes de Honduras chegou, relatórios também revelaram que o governo dos EUA mantinha um banco de dados secreto de jornalistas, ativistas e outras pessoas que acompanhavam a caravana, para que fossem submetidos a um controle de segurança e a interrogatórios adicionais nos pontos de fronteira entre os Estados Unidos e o México. Os jornalistas desta lista foram detidos, obrigados a mostrar aos funcionários da fronteira o conteúdo de seus equipamentos profissionais e a identificar indivíduos presentes na fronteira.

No Canadá, mulheres jornalistas indígenas foram fisicamente impedidas de entrevistar líderes tribais. Independentemente desse incidente, a polícia federal bloqueou o acesso da imprensa a uma manifestação a favor do meio ambiente em território indígena. Alguns meses depois, uma decisão histórica da justiça, tomada em março de 2019, determinou que os jornalistas têm o direito de cobrir tais protestos e destacou a importância da cobertura da mídia sobre questões indígenas.

Testar os limites da liberdade de imprensa

Em 2019, o governo Trump reiterou suas medidas repressivas contra denunciantes. Três funcionários do governo foram processados sob a Lei de Espionagem de 1917 por transmitir documentos confidenciais a jornalistas. Além disso, numa medida sem precedentes, o Departamento de Justiça dos EUA lançou 18 acusações contra o co-fundador do Wikileaks, Julian Assange, 17 das quais estão sob a Lei de Espionagem. É a primeira vez que uma pessoa é acusada de espionagem por publicar documentos classificados. Se Julian Assange for extraditado do Reino Unido e considerado culpado, isso poderá criar um precedente perigoso que permitiria processar jornalistas por fazerem seu trabalho, o que é, em princípio, protegido pela constituição.

A “lei de proteção” federal do Canadá em 2017 entrou em vigor pela primeira vez em setembro de 2019, reafirmando o direito dos jornalistas de não divulgarem a identidade de suas fontes.  Infelizmente, a lei de proteção do sigilo das fontes não se aplica à proteção de material confidencial, como comunicações - como evidenciado por uma sentença judicial de julho de 2019, que determinava que um jornalista da VICE Canada deveria divulgar à polícia federal suas comunicações confidenciais com uma fonte - uma decisão repleta de consequências para a independência jornalística. Por um lado, os jornalistas não devem desempenhar o papel de investigadores para a polícia, por outro, as relações de confiança que mantêm com suas fontes são essenciais para que possam realizar seu trabalho de maneira eficaz.

Embora os Estados Unidos não possuam uma lei federal de proteção do sigilo das fontes, a maioria dos estados possui estatutos próprios que garantem aos jornalistas o direito de não entrega-las. Em maio de 2019, a polícia de São Francisco violou a lei de proteção do sigilo das fontes da Califórnia, revistando a casa do jornalista freelancer Bryan Carmody e confiscando seu equipamento profissional para descobrir a identidade de sua fonte. Os juízes eventualmente anularam os mandados de busca, considerando-os ilegais sob esta lei.

O que o futuro reserva

Às vésperas de uma nova década, os países que compõem a região América do Norte deveriam favorecer políticas e práticas que promovam a liberdade de imprensa e a segurança dos jornalistas. Nos Estados Unidos, cabe aos novos responsáveis públicos promover medidas como a lei federal de proteção do sigilo das fontes e uma reforma da Lei de Espionagem, para proibir que jornalistas sejam processados e permitir a defesa de denunciantes no país, em nome do interesse público. Apesar das medidas tomadas contra a imprensa em território indígena, o Canadá, que fundou a Coalizão para a Liberdade dos Meios de Comunicação com o Reino Unido em julho de 2019, assume uma posição de liderança quanto a medidas gerais de proteção da imprensa.

Depois de adotar leis que podem prejudicar a proteção da imprensa, países do Caribe como Trindade e Tobago (26a, + 3) e Jamaica devem revisá-las e adotar uma nova legislação que garanta uma verdadeira liberdade de informação.

No ano passado, nos Estados Unidos, jornalistas e meios de comunicação se prepararam para alguma violência e distúrbios relacionados às eleições de 2020, mas a pandemia de Covid-19 que varre o país e o mundo deslocou suas preocupações. É responsabilidade dos governos, das autoridades e das instituições privadas, nos Estados Unidos e na América do Norte, permitir, por um lado, que a imprensa cubra a pandemia e seu impacto na vida cotidiana, por outro, que os cientistas, o pessoal da saúde e os funcionários do governo se comuniquem livremente com a imprensa sobre essas questões tão sensíveis.

resse de couvrir cette pandémie et son impact sur la vie quotidienne, d’autre part aux scientifiques, au personnel médical et aux fonctionnaires de communiquer sans entraves avec la presse sur ces questions sensibles.

Um horizonte sombrio para a liberdade de imprensa na América Latina

O ambiente no qual os jornalistas da América Latina operam é cada vez mais complexo e hostil. Além da crescente pressão, violência e intimidação sofridas por muitos jornalistas que cobrem casos sensíveis, foram lançadas extensas campanhas para desacreditar a profissão na maioria dos países da região.

Com duas exceções notáveis - a Costa Rica, que conquista três lugares e ocupa agora a 7a posição, e o Uruguai, que mantém sua 19a posição -, esta edição de 2020 é marcada por uma deterioração geral da situação da liberdade de imprensa na América Latina. A repressão e a estigmatização da profissão, alimentadas pela desinformação e pelos ataques online, assumiram novas dimensões, principalmente em países que enfrentam grandes conflitos sociais. 

A instabilidade política e social como vetor dos ataques à imprensa

Este é particularmente o caso no Haiti (83a) que, com 21 posições a menos, registrou a maior queda no Ranking em 2020. Por quase dois anos, protestos, muitas vezes violentos, se multiplicaram em todo o país contra o presidente Jovenel Moïse, enredado em casos de corrupção, e os jornalistas haitianos foram sistematicamente alvos de ataques durante as manifestações. O assassinato do jornalista Nehemiah Joseph em 2019 explicita o aumento da violência e a grande vulnerabilidade da profissão.

Em quase toda a região, a eclosão de conflitos sociais e o desafio de cobrir as manifestações colocam os jornalistas, como no Haiti, na linha de frente.  Foi assim que, no Equador (98a, - 1), durante os protestos organizados por uma parte da população que se considerou traída pela guinada neoliberal do presidente Lenín Moreno, os ataques a jornalistas aumentaram, impondo maiores riscos à imprensa. O mesmo se verificou no Chile (51a), que perdeu cinco posições no Ranking - depois de perder oito no ano passado. A onda de protestos que sacudiu as estruturas do país foi o palco de dezenas de agressões e ataques contra jornalistas e meios de comunicação.

Inúmeras agressões e ataques a jornalistas também foram registrados na Bolívia (114a, 1) durante as manifestações que pontuaram a campanha eleitoral e a eleição presidencial de novembro de 2019, antes de causar a renúncia e o exílio forçado do ex-presidente Evo Morales e mergulhar o país em uma fase de incerteza e instabilidade.

Em menor grau, a Argentina (64a) perdeu sete posições no ranking de 2020, principalmente devido à violência policial e agressões a jornalistas durante manifestações nas principais cidades do país por ocasião da eleição que levou Alberto Fernández à presidência do país em dezembro de 2019.

Derivas autoritárias: a censura com muitas faces

No Brasil (107a, - 2), a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2019 contribuiu amplamente para fazer o país cair pelo segundo ano consecutivo no Ranking da RSF. A queda está em larga medida associada à deterioração do ambiente em que operam os jornalistas, marcado por uma hostilidade permanente que atravessa a relação do governo com a imprensa. O presidente Jair Bolsonaro insulta e ataca sistematicamente alguns dos jornalistas e meios de comunicação mais importantes do país, o que estimula aliados a fazerem o mesmo, alimentando um clima de ódio e desconfiança para com os diferentes atores da informação. Nesse contexto tenso, os jornalistas brasileiros, e sobretudo as mulheres, estão cada vez mais vulneráveis e são regularmente atacados por grupos promotores de ódio e por apoiadores do presidente, em particular nas redes sociais.

Na Venezuela (147a), que deve sua alta de uma posição apenas a um efeito mecânico do Ranking, a deriva autoritária do presidente Maduro continua inexoravelmente, e a repressão governamental contra a imprensa independente tornou-se cotidiana e multifacetada: prisões arbitrárias, violência pelas forças de segurança e pelos serviços de inteligência, privação de frequências de rádios e TVs excessivamente críticas, interrupções na Internet e bloqueios das redes sociais, expulsão de jornalistas estrangeiros, etc.

A imprensa independente da Nicarágua (117a, - 3) sofre o mesmo destino e sufoca diante da repressão feroz do presidente Daniel Ortega - reeleito em 2016 pelo terceiro mandato consecutivo -, de seu governo e de seus apoiadores. Em 2019, as detenções arbitrárias e o exílio de jornalistas continuaram e aumentaram. Diante da escassez de matérias-primas (papel, borracha) orquestrada pelas autoridades, os jornais impressos do país desapareceram quase todos.

Cuba (171a), perdendo duas posições, estagnou nas profundezas do Ranking e continua sendo o pior país da América Latina em termos de liberdade de imprensa. O regime cubano, agora personificado por Miguel Díaz-Canel, mantém um monopólio quase total da informação, e a imprensa privada permanece proibida pela Constituição. As detenções e prisões de jornalistas como forma de intimidação se intensificaram em 2019.

Problemas estruturais inextricáveis

Com pelo menos 10 jornalistas assassinados em 2019, o México (143a, + 1) continua sendo o país mais perigoso do continente, e o governo do presidente López Obrador demonstrou até o momento incapacidade de conter a espiral de violência e impunidade. Neste país, assim como em seus vizinhos da América Central, o conluio entre o crime organizado e as autoridades políticas e administrativas corruptas - sobretudo no nível local - persiste e transcende a variável política, ameaçando seriamente a segurança dos atores da informação. Na Guatemala (116a) e em Honduras (148a, - 2), em particular, os jornalistas da imprensa de oposição e da mídia comunitária que se atrevam a denunciar desvios de recursos públicos por políticos eleitos e autoridades são regularmente agredidos, ameaçados de morte, forçados ao exílio ou assassinados.

O mesmo desamparo se verifica na Colômbia (130a), que perde outra posição no Ranking. A intensificação das agressões, ameaças de morte e sequestros de jornalistas desde a posse do presidente Iván Duque, em agosto de 2018, voltou a ampliar os desertos de notícias no país e enfraqueceu um pouco mais a profissão.

Uma dupla pressão com o cyberbullying

Por fim, deve-se notar que na América Latina, assim como em outras partes do mundo, os ataques físicos à profissão costumam ser acompanhados de campanhas de assédio cibernético, ou cyberbullying, realizadas por exércitos de trolls e/ou apoiadores dos regimes autoritários. Esses métodos de censura online estão proliferando perigosamente e são particularmente violentos contra as mulheres jornalistas.

Diante desse panorama sombrio, fica claro que os desafios para a liberdade de imprensa progredir de forma durável e significativa na América Latina são inúmeros. Diante de um cenário de forte instabilidade política e frente a governos que agem de forma a enfraquecer as instituições democráticas, os jornalistas e meios de comunicação latino-americanos demonstram uma grande capacidade de se reinventar para encontrar soluções alternativas a todo tipo de pressão.