A RSF registra queixa na ONU por violações da liberdade de imprensa durante a epidemia de Coronavírus

A Repórteres sem Fronteiras apresentou uma queixa ao Relator Especial da ONU para o direito à saúde, Dainius Pūras, e seu colega para o direito à liberdade de opinião e expressão, David Kaye, para que denunciem formalmente os Países que, violando o direito à informação durante a epidemia de coronavírus, colocam em risco a saúde das pessoas.

A Repórteres sem Fronteiras (RSF) registrou uma queixa junto às Nações Unidas em 13 de abril de 2020, solicitando citação e denúncia de estados que violam o direito à informação, apesar de, a pretexto de ou por ocasião da epidemia de Coronavírus, colocando assim em risco a saúde das pessoas, em seus territórios e no resto do mundo. Esse procedimento tomou a forma de uma carta de alegação ao Relator Especial da ONU para o direito à saúde, o lituano Dainius Pūras, e a seu colega relator especial para a liberdade de opinião e expressão, o americano David Kaye.

 

Os fatos relatados pela RSF foram coletados no âmbito do Observatório 19, uma ferramenta de monitoramento adaptada à crise global da saúde. Nomeado em referência ao Covid-19, mas também ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, este projeto tem como objetivo avaliar o impacto da pandemia no jornalismo. Ele documenta a censura de estado, a desinformação deliberada e seus efeitos sobre o direito a informações confiáveis. Limita-se a fornecer recomendações para favorecer a prática do jornalismo. A carta de alegação apresenta casos de censura, detenção arbitrária, assédio e violência contra jornalistas, ou ainda medidas legislativos preocupantes, em 38 países. A lista não é exaustiva.

 

Tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, os presidentes tratam os jornalistas com violência. Jornalistas foram presos na Argélia, na Jordânia e no Zimbábue. Na Hungria, uma lei orwelliana impôs um "Estado polícia da informação". No Cambodja, o primeiro ministro usa a crise do Covid-19 para reforçar seu poder. Sem falar da China, onde a repressão ao jornalismo permitiu que a epidemia se propagasse, primeiro em Wuhan, depois, no resto do mundo. A RSF também se alarma com a vulnerabilidade diante do vírus dos jornalistas mantidos em prisões apesar da epidemia, na Turquia ou na Arábia Saudita.

 

A RSF insta os relatores especiais a passarem da advertência à ação, intimando na forma de um "apelo urgente" cada um dos Estados onde são verificadas violações da liberdade de imprensa que atentem contra o direito à saúde. O objetivo é obter medidas concretas, como a libertação dos jornalistas detidos. Esses relatores especiais pertencem ao departamento das Nações Unidas para procedimentos especiais, mecanismos independentes de verificação de fatos e de proteção, ligados ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos em Genebra. No caso de confirmação das violações, os relatores especiais têm a tarefa de denunciar os fatos e pedir aos Estados que os corrijam. Seus próximos relatórios públicos ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia Geral das Nações Unidas poderão permitir a qualificação das situações observadas.

 

No dia 16 de março de 2020, os especialistas em liberdade de opinião e expressão e veículos de comunicação das Nações Unidas, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da OSCE, David Kaye, Edison Lanza e Harlem Désir, manifestaram firmemente a importância do fornecimento de informações verídicas pelos governos, a proteção dos jornalistas e da luta contra a desinformação. Em 9 de abril, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, expressou "preocupação" com as medidas tomadas em certos países para limitar a liberdade dos meios de comunicação e a liberdade de expressão, temendo que a chamada "luta contra a desinformação" corra o risco de ser usada para silenciar os críticos. 

 

A carta enviada pela RSF solicita aos relatores especiais que declarem publicamente que o direito à informação é "inerente" ao direito à saúde. Não é apenas um componente essencial do direito à saúde, mas é necessária e intimamente ligado a ele e inseparável dele. O reconhecimento da natureza inerente do direito à informação para o direito à saúde tornaria possível o fortalecimento de seu escopo, especialmente quando está em questão a salvaguarda da saúde pública, e, assim, lutar mais eficazmente contra essas restrições arbitrárias e contra a desinformação. O estabelecimento do vínculo intrínseco entre o direito à informação e o direito à saúde permitiria condenar todas as restrições abusivas do primeiro, como constituindo também violações do último. O equilíbrio entre os dois direitos seria assim assegurado, de modo a impedir que a proteção da saúde pública seja usada como pretexto para censura ou desinformação.

 

Adotada em novembro de 2018 por uma comissão de 25 personalidades de 18 nacionalidades, a Declaração Internacional sobre Informação e Democracia assegura em seu preâmbulo que “o conhecimento é necessário para que os seres humanos desenvolvam suas capacidades biológicas, psicológicas, sociais, políticas e econômicas”. Com base nesse fundamento, 35 países integraram uma Parceria sobre Informação e Democracia que reconhece um direito à informação confiável, considerando que “a informação pode ser reconhecida como confiável na medida em que sua coleta, seu processamento e sua difusão são livres, independentes e baseados no cruzamento de várias fontes, numa paisagem midiática pluralista onde os fatos podem dar origem a interpretações e pontos de vista diversos”.

 

“A epidemia de Coronavírus exige o cumprimento dos princípios da liberdade de imprensa e do direito à informação, recorda Christophe Deloire, secretário geral da RSF.  Como contido na Declaração sobre Informação e Democracia, ‘o direito à informação é a liberdade de procurar e receber informações confiáveis e ter acesso a elas’. Violar esse direito é colocar em risco a saúde e até a vida dos seres humanos. Esperamos que os Estados que violam esse direito sejam denunciados publicamente pelas instituições da ONU.”

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Updated on 15.04.2020