Ranking RSF 2018: As difíceis condições para o jornalismo na África do Norte

A edição 2018 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa revela que os jornalistas continuam sob forte pressão na África do Norte. Marcos legais restritivos, entraves ao exercício do jornalismo em campo, em particular na cobertura de manifestações, e diversos temas considerados tabus são alguns dos muitos desafios que restringem a atividade dos jornalistas e limita a circulação da informação livre, independente e plural.

A Tunísia (97o), o Marrocos (135o), a Argélia (136o) e a Líbia (167o) estão entre os países da região em que a situação da liberdade de imprensa é mais complicada. A Tunísia está estagnada. O Marrocos e a Argélia continuam caindo no Ranking, ambos perderem duas posições em relação a 2017. A Líbia, última da lista, sobe uma posição. Uma alta que se explica sobretudo pela deterioração geral dos países que se encontram na ponta inferior do Ranking e pelo fato de que muitos jornalistas optaram por deixar o país por motivos de segurança, o que acabou tendo um efeito de reduzir em números absolutos os casos de violência contra a imprensa registrados em relação ao ano anterior.


Essa tendência, observada também nos últimos anos, demonstra uma vontade por parte dos dirigentes político da região de aumentar seu controle sobre os meios de comunicação e rastrear os jornalistas que ousam abordar temas considerados como proibidos, tais quais a corrupção, as fraudes fiscais, o impacto do lobbying e a cobertura de protestos.


Obstáculos múltiplos para a cobertura de manifestações


No Marrocos, o Hirak do Rif (movimento de contestação) evidenciou as dificuldades enfrentadas pelos jornalistas marroquinos e estrangeiros que tentam cobrir as ações de movimentos sociais ou que abordam temas considerados tabus. De maio a julho de 2017, uma onda de repressão atingiu os jornalistas cobrindo os protestos populares. A Repórteres sem Fronteiras (RSF) registrou 14 detenções de jornalistas e comunicadores. Diversos casos de expulsões de jornalistas estrangeiros também foram identificados pela organização.


A constatação na Tunísia é a mesma, onde pressões administrativas e por parte da polícia contra jornalistas tunisianos e estrangeiros também foram observadas, em particular na cobertura de manifestações. Em setembro de 2017, o jornalista Hamdi Souissi foi brutalmente agredido por um grupo de policiais quando cobria um protesto em Sfax. Ferido no rosto e no ombro, ele foi conduzido a delegacia de polícia, onde foi interrogado por mais de duas horas. Seu equipamento foi apreendido.


Na Líbia, o trabalho de campo se tornou extremamente perigoso. O país está entre os mais perigosos do mundo para a profissão. Os jornalistas e meios de comunicação são as primeiras vítimas de um conflito aberto e de uma guerra de informação em que estão envolvidas diversas partes beligerantes. Desde a revolução de 2011, a RSF registrou 332 casos de violência contra a imprensa no país, crimes que seguem na grande maioria impunes. Nenhuma iniciativa foi tomada pelas autoridades para melhorar as condições de segurança para os repórteres, e o exílio vem se tornando uma opção cada vez mais recorrente.


Na Argélia, os tabus são muitos e o simples fato de abordar casos relacionado a corrupção ou a saúde do presidente podem deixar os jornalistas na mira de ameaças, campanhas de difamação nas redes sociais e interpelações. As derivas autoritárias do governo argelino não se limitam as práticas repressivas da justiça, mais englobam também pressões políticas e econômicas exercidas sobre os meios de comunicação. Dessa forma, em novembro de 2018, Hadda Hazem, diretora do jornal Al-Fadjr, iniciou uma greve de fome para protestar contra a asfixia planejada de sua publicação pelas autoridades. Desde outubro, o jornal não recebeu nenhum recurso vindo de publicidade oficial, uma das principais fontes de financiamento dos meios de comunicação do país.


Marcos legais que restringem a liberdade de imprensa


Reformas legislativas que supostamente deveriam garantir a liberdade de imprensa foram iniciadas nos países da região, porém avançam muito lentamente. Na Tunísia, o projeto de lei relativo ao setor de comunicação audiovisual, apresentado em dezembro de 2017 pelo governo a Assembleia dos Representantes do Povo, decepciona pela falta de garantias para independência dos meios de comunicação e pela falta de prerrogativas para a futura instância de regulação da mídia. Diversas organizações nacionais e internacionais, dentre as quais a RSF, se mobilizaram para pedir a retirada do projeto de lei.


Os avanços legislativos são igualmente insuficientes na Líbia. O projeto de Constituição de 29 de julho de 2017 fica aquém das normas internacionais em matéria da liberdade de expressão e de imprensa. O texto não garante o direito ao acesso à informação e a independência dos meios de comunicação não está diretamente protegida.


Os jornalistas argelinos sofrem com a aplicação abusiva do Código Penal, em contradição com as disposições constitucionais adotadas em 2016 que garantem a liberdade de imprensa. No Marrocos, ainda que tenha sido retirada a possibilidade de prisão, a lei relativa a imprensa remete ao Código Penal e a lei sobre o terrorismo.


Diante de marcos legais que protegem de forma insuficiente, ou que representam objetivamente uma ameaça para a profissão, os jornalistas da região podem acabar presos a partir do momento em que as investigações começam a incomodar as cúpulas de poder.


Jornalistas atrás das grades


No Marrocos, assim como na Argélia, os jornalistas continuam sendo condenados a penas de prisão. Hamid El Mahdaoui, jornalista marroquino e diretor do site Badil.info, está preso desde julho 2017. Detido durante a cobertura de distúrbios políticos na região do Rif, ele foi condenado em primeira instância a três mesas de prisão e a pagar uma multa de 20 mil Dirhams. Em setembro, o tribunal de apelação d’Al-Hoceïma acabou aumentando a pena para um ano de prisão. Detido atualmente com outros quatro jornalistas e três colaboradores de meios de comunicação, Hamid está sendo julgado no contexto dos processos do Hirak.


Na Argélia, o jornalista Saïd Chitour, preso em junho pela polícia por suspeitas de espionagem et venda de documentos sigilosos a diplomatas estrangeiros, segue esperando o julgamento. De acordo com as últimas informações que recebemos sobre o caso, o estado de saúde do jornalista é extremamente preocupante.

Publié le
Mise à jour le 21.04.2020