Américas

Os Estados Unidos despencam, o Canadá volta a subir

Durante o primeiro ano da presidência de Donald Trump, os Estados Unidos perderam duas posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2018 da Repórteres sem Fronteiras (RSF) e ocupam agora o 45o lugar entre 180 países, mantendo assim sua tendência de queda. Por outro lado, o Canadá conquistou quatro posições, sobretudo graças à instauração de medidas para garantir a confidencialidade das fontes dos jornalistas.

Donald Trump acentua o declínio da Primeira Emenda

Em 2017, o presidente americano acelerou a queda dos Estados Unidos, levando o país a ocupar o 45o lugar no Ranking devido a recorrentes ataques contra os meios de comunicação. Donald Trump qualificou, repetidas vezes, a imprensa de "inimiga do povo americano", tentou bloquear o acesso à Casa Branca de vários meios de comunicação, usou quase cotidianamente o termo "fake news" ("notícias falsas") para atacar qualquer assunto crítico com relação à sua ação política, e chegou até a pedir que algumas redações fossem privadas do direito de radiodifusão. Com frequência, o presidente Trump atacou órgãos da imprensa e jornalistas específicos devido à cobertura sobre seu governo. Além disso, compartilhou tweets com conteúdo violento com relação à CNN.

Essa retórica violenta contra os meios de comunicação vindo da cúpula do Estado está acompanhada de uma alta de violações da liberdade de imprensa a nível local. Os jornalistas, agora, correm o risco de serem presos durante a cobertura de manifestações ou por ter simplesmente tentado fazer perguntas a representantes do Estado. Repórteres foram alvo de agressões físicas enquanto trabalhavam.

Os ataques à liberdade de imprensa no país da Primeira Emenda se tornaram tão frequentes que a RSF se uniu, em agosto passado, a uma coalizão de mais de 20 organizações para lançar um aplicativo para monitorar a liberdade de imprensa nos Estados Unidos: o U.S. Press Freedom Tracker. Esse dispositivo identificou 34 prisões de jornalistas em 2017, a maioria delas ocorreu na cobertura de protestos. (Saiba mais sobre o U.S. Press Freedom Tracker)

É importante lembrar, contudo, que a chegada de Trump ao poder só agravou uma situação já frágil em matéria de liberdade de imprensa. Os denunciantes (whistleblowers) correm risco de ser processados no âmbito da lei Espionage Act se revelarem informações consideradas de interesse nacional. Os jornalistas ainda não contam com uma "lei escudo" (shield law) permitindo que protejam suas fontes. Além disso, revistas prolongadas de jornalistas e de seus materiais ainda ocorrem nas fronteiras dos Estados Unidos e determinados jornalistas estrangeiros continuam proibidos de viajar no país devido à sua cobertura de certos temas sensíveis, como as FARC na Colômbia ou o Curdistão.

O declínio dos Estados Unidos em termos de liberdade de imprensa é uma má notícia não somente para os jornalistas que trabalham no país, mas também a nível internacional. A expressão "fake news" é agora utilizada para reprimir os meios de comunicação, seja em países de governo autoritário ou em democracias. Os governos de vários países membros da Organização dos Estados do Caribe Oriental (OECO), por sinal, adotaram a expressão favorita de Trump para criticar o trabalho dos jornalistas. Considerando-se que as leis de muitos países do Caribe ainda criminalizam a difamação, a propagação da retórica contra os meios de comunicação de Donald Trump pode ter graves consequências para a imprensa local.

O Canadá de volta ao top 20, apesar de uma situação ainda preocupante

Em 2016, as perspectivas para a liberdade de imprensa no Canadá eram pouco favoráveis. O governo havia, diversas vezes, demonstrado seu desprezo total pelo sigilo das fontes dos jornalistas, um princípio, contudo, fundamental. Em 2017, essa tendência se mantém, e chegou a aumentar. Acusações na justiça penal e civil foram feitas contra Justin Brake, um jornalista do TheIndependent.ca, após sua cobertura de manifestações a favor do meio-ambiente. O tribunal de apelação de Ontario, por sua vez, emitiu uma ordem de produção contra o jornalista da VICE Ben Makuch, obrigando-o a entregar à Real Polícia Montada do Canadá (RCMP) a totalidade de suas comunicações com uma fonte.

Entretanto, o Estado procurou remediar essa situação com ações concretas, tanto no nível das províncias quanto no nível federal. Uma lei escudo federal, a Journalistic Source Protection Act, foi adotada por unanimidade em outubro de 2017 pelo Parlamento para proteger o sigilo das fontes. Dois meses depois, uma comissão de inquérito, encarregada de investigar a vigilância de vários jornalistas pela polícia do Quebec, recomendou a adoção de uma lei com o propósito de proteger melhor as fontes dos jornalistas. Essas melhorias explicam a progressão do Canadá, conquistando quatro posições no Ranking.

Apesar desse progresso, o Canadá ainda tem muito trabalho a realizar. Ben Makuch precisará defender o sigilo de suas conversas com uma fonte diante da Corte Suprema do país em maio, e Justin Brake ainda é alvo de acusações. Resta saber como a nova lei escudo será aplicada, especialmente no caso de Marie-Maude Denis: a jornalista investigativa da Radio-Canada foi intimada em março pelo Tribunal Superior do Quebec a revelar fontes confidenciais.

Um balanço heterogêneo na América Latina

A Repórteres sem Fronteiras (RSF) verificou uma ligeira melhora na situação da liberdade de imprensa no continente americano. Essa alta não deve, contudo, ofuscar os persistentes problemas de violência, de impunidade e de medidas autoritárias impostas contra os jornalistas em diversos países da região.

Com um exercício relativamente livre da profissão e uma legislação avançada em matéria de liberdade de imprensa, a Costa Rica é o país da América Latina melhor classificado (10o) em 2018. Entretanto, ela perde 4 posições, devido a alguns casos de pressões das autoridades contra os jornalistas, especialmente durante a campanha eleitoral iniciada no final de 2017.

A permanência dos homens fortes

No extremo oposto do Ranking, Cuba encontra-se em 172o lugar, permanecendo, ano após ano, como o pior país do continente em matéria de liberdade de imprensa. O governo castrista manteve um monopólio quase absoluto sobre a informação. Por intermédio de sua polícia e de seus serviços de inteligência, Raul Castro silenciou as vozes dissidentes. Os meios de comunicação privados, não autorizados pela Constituição, são frequentemente perseguidos e os jornalistas e blogueiros são, por sua vez, vítimas de detenções arbitrárias.

A Venezuela (143o) protagoniza a queda mais acentuada da região, perdendo 6 posições no ranking de 2018. O presidente Nicolas Maduro e seu governo continuam, em 2017, com sua deriva autoritária. A imprensa independente e de oposição, assim como os correspondentes internacionais, são alvos permanentes das autoridades policiais e dos serviços de inteligência bolivarianos, cujo objetivo é minimizar a narrativa sobre a magnitude da grave crise política e econômica que sacode o país desde o início de 2016. As agressões durantes as manifestações, as prisões arbitrárias - com frequência seguidas de interrogatórios abusivos -, a destruição de material e as expulsões de jornalistas estrangeiros se multiplicaram no país. A censura de Estado aumentou em 2017: várias rádios e TVs tiveram suas frequências retiradas pela Conatel, o organismo que regula as telecomunicações, e a escassez de papel jornal vem atingido duramente há anos parte da imprensa escrita.

Na Bolívia (110o, -4), o setor dos meios de comunicação sofre de uma grande precariedade e a imprensa é com frequência atacada pelo governo do presidente Evo Morales, no poder desde 2006. Os membros de seu governo hostilizam publicamente os jornalistas que se dizem de oposição e não hesitam em abrir pesados processos judiciais para reduzi-los ao silêncio, como no caso de Wilson Garcia Merida, processado por sedição, e de Yadira Peláez Imanareico, acusada de "violência política".

Governos incapazes de conter a espiral de violência e de impunidade

A violência e a impunidade que acompanha os crimes cometidos contra jornalistas fazem reinar o medo e a autocensura no México e em boa parte dos países da América Central. Em El Salvador (66o), na Guatemala (116o), em Honduras (141o) e no México (147o), o trabalho dos repórteres investigativos, sobretudo daqueles que cobrem o crime organizado e a corrupção, é sistematicamente recebido com intimidações, ameaças e violências físicas. Esses jornalistas, muitas vezes forçados a abandonarem suas cidades em decorrência das intimidações, podem pagar com suas vidas o trabalho de informar: um jornalista foi morto em Honduras em 2017 e 11 no México, tornando este último o país mais mortífero do mundo para a imprensa no ano passado, junto com a Síria. Os assassinatos de Miroslava Breach (Estado de Chihuahua) e de Javier Valdez (Estado de Sinaloa), dois jornalistas de grande renome, que investigavam a colusão entre o crime organizado e a classe política, provocaram uma onda de choque no país e na comunidade internacional.

Nesses países corroídos pelo tráfico de armas e de drogas, os governos mostraram, mais uma vez este ano, sua impotência diante das ondas de violência. Quando existem, como em Honduras e no México, os programas de proteção voltados para a profissão revelam-se ineficazes e inadaptados às deploráveis condições de segurança e à precariedade do trabalho dos jornalistas, sobretudo da imprensa local independente.

Também marcado estruturalmente pela violência e a corrupção, o Brasil (102o, +1) continua abaixo da centésima posição no Ranking. Em um contexto de grande tensão política, com a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e a prisão do também ex-presidente Lula no período pré-eleitoral de 2018, o país atravessa um momento particularmente conturbado da sua história recente. Os avanços necessários para a garantia da liberdade de expressão não estão entre as prioridades das autoridades.

Ainda que mostrando um ligeiro recuo, as agressões contra a imprensa, inclusive na cobertura de manifestações, são abundantes. Quando decidem se debruçar sobre os interesses do poder político, em especial a nível local, os jornalistas são regularmente intimidados ou tornam-se alvos de processos judiciais abusivos. Essa situação de vulnerabilidade é particularmente visível nas regiões distantes dos grandes centros urbanos, onde os meios de comunicação independentes e comunitários não contam com nenhum apoio público e têm dificuldades para manter sua sustentabilidade.

Mudanças de governança: avanços insuficientes

O Equador (92o) volta a subir 13 posições em 2018. Esse progresso - o mais destacado do continente este ano - se explica, em parte, pela eleição do presidente Lenin Moreno, em maio de 2017, que reduziu as tensões entre o governo e parte dos meios de comunicação privados, após três mandatos consecutivos de Rafael Correa (2007-2017). Uma década durante a qual o presidente Correa controlou a agenda midiática, atacando pessoalmente e publicamente a imprensa e gerando inúmeros conflitos e embates jurídicos entre as autoridades e os meios de comunicação.

Na Argentina (52o, -2), a guerra midiática entre o governo e a imprensa que havia marcado os anos Kirchner também se atenuou com a ascensão ao poder de Mauricio Macri, em dezembro de 2015. Dois anos depois, a situação permanece, apesar de tudo, preocupante: os meios de comunicação críticos são regularmente alvo de queixas por calúnia apresentadas na justiça civil. Em 2017, em meio a grandes manifestações, vários repórteres foram violentamente agredidos e visados pelas forças policiais.

A Colômbia (130o, -1), por sua vez, só confirmou parcialmente as esperanças alimentadas pela assinatura dos Acordos de Paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em dezembro de 2016. O país permanece entre os mais perigosos do continente para os jornalistas e as agressões e sequestros ainda são frequentes. Alguns grupos armados, como o ELN, querem silenciar os meios de comunicação que investigam suas atividades, gerando verdadeiros desertos informativos, especialmente nas regiões rurais.

O ano de 2018, com a realização de eleições presidenciais em determinados países que detêm as piores classificações do continente - Cuba, Venezuela, México, Colômbia e Brasil - poderá ser um momento de mudança da qual poderia resultar uma nova relação entre governos e jornalistas.